Ela fazia o
tipo difícil. Seus motivos eram não só secretos, mas também desconhecidos.
Recusava-se a culpar a incompreensão. Recusava-se a sentir autopiedade e, mais
ainda, a dizer-se arrependida. Não culpava outros, de qualquer forma. Não
culpava ninguém.
Já tinham lhe
dito, certa vez, que possuía... Como era mesmo? Um caráter vigarista. E foi com
um sorriso que recebeu tal notícia. Sorriso esse cheio de ironia. E a irônica
não era ela, não. A ironia era a vida. Sua vida. Como se alguém se
divertisse com cada novo acaso tão bem estruturado que sequer parecia
improvisado. Bem, pelo menos alguém se divertia.
Ela tampouco
se culpava, mas sabia que era a única a não o fazer. Contudo também era a única
a se importar. Se ela não se importasse, então quem iria? Ninguém, pois era
assim que ela escolhera. Escolhera viver com seu caráter esquisito, seu egoísmo
abrangente e seu senso de humor malsucedido.
O que poucos
sabiam é que um dia ela cresceu. Cresceu? Sim, mas talvez imaturidade nunca
tivesse sido a questão. A questão é que se viu livre no momento em que
reconheceu que era seu direito sair em busca. Daquilo tudo que lhe foi tirado e
do que não lhe foi apresentado.
Então ela foi
e, por muito tempo, se sentiu perdida. Encontrou de tudo, mas não o que
procurava. Desencontrou-se. Procurou se perder mais um pouco e qual não foi sua
surpresa quanto tornou a se encontrar? O mais engraçado é que sentiu saudades!
Sua velha eu que, afinal, de velha não tinha nada. Sua nova eu que, por algum
motivo, continuava tão parecida consigo mesma!
Até que parou.
Pensou. E percebeu que estava na hora de parar e pensar de verdade.
Tomou a distância necessária para ter de todo o resto uma visão privilegiada e
assim ficou. O tempo passou. E a quantas descobertas não chegou? Com tudo isto,
esperava conquistar a tão clamada paz de espírito, mas o que conseguiu mesmo foi
uma alma ainda mais inquieta e curiosa.
E agora, para onde ir? Tudo o que estava ao
seu alcance já tinha sido feito. O que estava além também já tinha sido
tentado. Saltos no escuro, corridas contra o tempo, caminhadas persistentes. Tudo. Tudo. Mas talvez... não tudo. Oh, claro, porque tudo era impossível. E
essa era a graça e o martírio. Sempre haveria uma saída e novos caminhos, como
que a desafiá-la a ir se embrenhando cada vez mais no labirinto sem fim. E o
que ela achava disto? Bem, ela fazia o tipo difícil. E para este tipo, a última
alternativa é apenas mais um caminho a se seguir.